Sexualização de Crianças
A plataforma de streaming Netflix lançou o filme chamado “Cuties” (“Lindinhas”, em português), um filme francês que segue a protagonista Amy, uma criança pré-adolescente que espera escapar das raízes profundamente conservadoras de sua família senegalesa, entrando para uma trupe de ‘Twerk’ — tipo de dança sensual — com outras garotas, menores de idade. Porém a produção está sendo apontada como uma forma de promover a sexualização precoce de meninas.
De acordo com a sinopse, Amy de repente fica ciente de sua “feminilidade crescente” e incentiva suas colegas “a abraçar com entusiasmo uma rotina de dança cada vez mais sensual” enquanto elas “esperam preparar seu caminho para o estrelato”.
A crítica de cinema argumentou que o próximo filme é “um atrativo para o público” que “anuncia uma voz indelével na direção” e deve ser “respeitado por sua audácia”.
Muitos outros usuários afirmaram que “Cuties” é na verdade uma forma de mostrar “como as garotas acabam se tornando excessivamente sexualizadas em uma idade jovem”. .
Muitos acusaram a Netflix e a criadora de “Cuties”, Maïmouna Doucouré, de promover a sexualização grotesca das meninas do filme.
Além do roteiro em si, a própria divulgação do filme já sugeria a sexualização das garotas, expostas pela Netflix em um cartaz, no qual aparecem com roupas curtas e algumas poses sensuais da conhecida dança.
“Nossa cultura está tão profunda e irrevogavelmente quebrada”, comentou uma usuária do Twitter ao mostrar o cartaz.
“Retratação”
Após as inúmeras críticas, a Netflix emitiu uma “nota de retratação” em suas redes sociais, reconhecendo que errou ao divulgar o cartaz com a imagem das meninas, mas não criticou o conteúdo do filme.
“Lamentamos profundamente a arte inadequada que usamos para o filme Mignonnes | Cuties. Não estava bem, nem representava esse filme francês que ganhou um prêmio no Festival de Sundance. Agora, atualizamos as fotos e a descrição”, publicou o perfil da plataforma no Twitter.
O que é Pornografia Infantil ?
Imagine a seguinte situação hipotética:
O réu tirou fotografias de duas meninas de 12 e 13 anos, em poses sensuais, com enfoque principalmente em seus órgãos genitais. Nas imagens, as adolescentes usavam lingerie e biquíni, sendo que muitas fotos enquadravam (davam close) única e exclusivamente nas genitálias das garotas.
Durante as investigações, a polícia encontrou outras imagens, no mesmo contexto, envolvendo outras crianças e adolescentes menores de idade. Diante disso, o Ministério Público ofereceu denúncia contra o réu pela prática dos crimes previstos nos arts. 240 e 241-B do ECA:
A defesa sustentou que os fatos narrados não se amoldaram aos delitos acima listados, considerando que as crianças e adolescentes não foram fotografadas em cenas de sexo explícito ou em cenas pornográficas, conforme exigem os tipos penais. Ao contrário, elas estavam vestidas. Segundo a defesa, eram apenas fotografias artísticas.
A questão chegou até o STJ. O que decidiu a Corte ? As condutas narradas acima configuram os crimes tipificados nos arts. 240 e 241-B do ECA ?
SIM.
“Cena de sexo explícito ou pornográfica”
O art. 241-E do ECA define “cena de sexo explícito ou pornográfica”. Confira:
Pela exclusiva leitura do art. 241-E do ECA, as condutas acima descritas não poderiam ser enquadradas como “cena de sexo explícito ou pornográfica”. No entanto, segundo o STJ, este dispositivo é uma norma penal explicativa, porém não completa. Assim, a definição deste artigo não é exaustiva e o conceito de pornografia infanto-juvenil pode abarcar hipóteses em que não haja a exibição explícita do órgão sexual da criança e do adolescente.
Para se fazer a correta interpretação do dispositivo é necessário se analisar o escopo da norma (mens legis), devendo-se, para isso, lembrar o que diz o art. 6º do ECA:
Ao amparo desse firme alicerce exegético, chega-se à conclusão de que o art. 241-E do ECA, ao explicitar o sentido da expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” não o faz de forma integral e, por conseguinte, não restringe tal conceito apenas àquelas imagens em que a genitália de crianças e adolescentes esteja desnuda. Isso porque, considerando a proteção absoluta que a lei oferece à criança e ao adolescente, a tipificação dos delitos nela preconizados deve levar em conta todo o contexto fático que envolve a conduta praticada.
Assim, é imprescindível verificar se, a despeito de as partes íntimas das vítimas não serem visíveis nas cenas, estão presentes o fim sexual das imagens, poses sensuais, bem como evidência de exploração sexual, obscenidade ou pornografia. Se isso estiver presente, estará configurado o crime.
Há doutrinadores que defendem esta posição do STJ. Confira:
“A criança ou adolescente não precisa só estar nua, mas pode estar, p. ex com as vestes íntimas. (…)” (ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 622-623).
Outros, contudo, sustentam entendimento em sentido contrário: NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 2ª ed., São Paulo: Forense, 2015, p. 755.
Portanto, configuram os crimes dos arts. 240 e 241-B do ECA quando fica clara a finalidade sexual e libidinosa de fotografias produzidas e armazenadas pelo agente, com enfoque nos órgãos genitais de adolescente – ainda que cobertos por peças de roupas -, e de poses nitidamente sensuais, em que explorada sua sexualidade com conotação obscena e pornográfica.
Em suma:
O STJ já havia decidido no mesmo sentido:
Fotografar cena e armazenar fotografia de criança ou adolescente em poses nitidamente sensuais, com enfoque em seus órgãos genitais, ainda que cobertos por peças de roupas, e incontroversa finalidade sexual e libidinosa, adéquam, respectivamente, aos tipos do art. 240 e 241-B do ECA.
Portanto, configuram os crimes dos arts. 240 e 241-B do ECA quando fica clara a finalidade sexual e libidinosa de fotografias produzidas e armazenadas pelo agente, com enfoque nos órgãos genitais de adolescente — ainda que cobertos por peças de roupas —, e de poses nitidamente sensuais, em que explorada sua sexualidade com conotação obscena e pornográfica.
STJ. 6ª Turma. REsp 1543267-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 3/12/2015 (Info 577)
Via Dizer o Direito | Guia-me | Surge Aki
Excelente artigo!