A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu, em parte, o pedido de habeas corpus em favor de Paulo Castelo Branco, ex-superintendente do Ibama no estado do Pará, para reduzir a fixação da pena pelo crime de concussão (exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida).
Castelo Branco foi preso em flagrante pela Polícia Federal por tentativa de extorsão contra uma grande madeireira da Amazônia, a Eidai. De acordo com a polícia, o funcionário exigiu R$ 1,5 milhão para sumir com multas aplicadas à madeireira pelo Ibama. A direção da Eidai apresentou queixa à Polícia Federal, que, em colaboração com o Ministério Público, planejou a prisão. Castelo Branco foi preso no aeroporto de Brasília em companhia do diretor da empresa, que levava o dinheiro do suborno numa pasta.
Devido à condenação a quatro anos de reclusão e ao pagamento de 120 dias-multa, a defesa de Castelo Branco recorreu ao STJ alegando constrangimento ilegal, pois a pena-base teria sido fixada muito acima do mínimo legalmente previsto para esse tipo de crime, que é de dois anos de reclusão e pagamento de dez dias-multa.
O relator do processo, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, não acolheu os argumentos da defesa, entendendo que a conduta de Castelo Branco foi especialmente grave e reprovável, envolvendo altas autoridades do Ibama e desacreditando a instituição perante a sociedade.
Entretanto o ministro Jorge Mussi discordou do relator, afirmando que nenhuma sanção pode ser aplicada acima do valor mínimo de forma aleatória ou não convincente, sob pena de desviar-se da verdadeira finalidade da reprimenda. Para o ministro, a condenação não teve motivação apta a justificar a fixação da pena-base tão acima do mínimo legal, ou seja, no dobro, merecendo ser reformada neste ponto. Verificada a exarcebação com que a sanção foi imposta ao paciente, ouso divergir do voto do ministro relator unicamente quanto à aplicação da reprimenda para conceder parcialmente a ordem, minorando-se a pena para três anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto, determinando-se ao juízo de primeiro grau a análise quanto ao cabimento da substituição da pena, concluiu. Os demais ministros acompanharam o voto dissidente.
NOTAS DA REDAÇAO
Dentre os crimes praticados contra a Administração Pública, diferenciam-se os crimes praticados por funcionários públicos contra a Administração em geral dos crimes praticados por particular contra a Administração em geral.
A concussão, tipificada no art. 316, do Código Penal, é crime praticado por funcionário público, ou seja, tem como sujeito ativo, em tese, aquela pessoa descrita no artigo 127, do mesmo Código que considera funcionário público, para efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
Concussão
Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.
No caso em apreço não restam dúvidas sobre a materialidade e autoria do crime que se imputa ao agente. O paciente do HC impetrado no Tribunal da Cidadania, ex-superintendente do Ibama no estado do Pará, teria exigido para si vantagem indevida (consistente no valor de R$ 1,5 milhão) para não proceder a prática que lhe era exigida no exercício de seu ofício, consistente em aplicar multas à madeireira Eidai, da Amazônia. Logo, exigiu para si vantagem indevida, em razão de sua função, praticando, assim, o crime de concussão, apenado com reclusão de dois a oito anos, e multa.
Ocorre que, em primeira instância aplicou-se-lhe a pena de quatro anos de reclusão, sem que se tivesse apresentado quaisquer circunstâncias majorantes.
É cediço que o Brasil adota o critério trifásico de aplicação da pena, previsto no artigo 68, de acordo com o qual, o cálculo da pena é feito em três momentos:
a) fixação da pena base;
b) consideração das atenuantes e agravantes e
c) averiguação de causa de diminuição e de aumento.
Cálculo da pena
Art. 68 – A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.
Na primeira fase o juiz deverá encontrar a pena base, tomando em consideração os ditames do artigo 59 do Código Penal, in verbis :
Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
Note-se que o juiz deverá, neste primeiro momento, atentar-se aos parâmetros legais do tipo penal. A descrição típica da concussão é expressa em prever a pena de 2 a 8 anos de reclusão. Não há notícias de que o crime em comento tenha sido cometido acobertado por qualquer agravante ou causa de aumento, pelo quê, não se justifica a fixação acima do mínimo legal.
Nas lições do Ministro Jorge Mussi nenhuma sanção pode ser aplicada acima do valor mínimo de forma aleatória ou não convincente, sob pena de desviar-se da verdadeira finalidade da reprimenda.
Esta é, também, a orientação do Supremo Tribunal Federal que em decisão recente assim se manifestou:
EMENTA:
Ação Penal. Condenação. Sentença condenatória. Capítulo decisório. Pena base. Fixação acima do mínimo legal, sem razão idônea. Recálculo pelo STJ, em sede de habeas corpus . Admissibilidade. Existência de elementos factuais incontroversos. Reavaliação das circunstâncias judiciais reconhecidas pela sentença. Caso de error in iudicando , não de error in procedendo . Reforma da sentença, a despeito de alusão do acórdão a nulidade, que não existia. HC denegado. É lícito ao tribunal reformar e recalcular, em habeas corpus , à luz das circunstâncias reconhecidas pela sentença, a pena por este fixada, não sendo caso de anulação ou cassação, à falta de causa de nulidade ( error in procedendo ). HC 93586 / RJ – RIO DE JANEIRO. Rel. Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 10/02/2009.
Fonte: Jus Brasil Notícias
Autor: Áurea Maria Ferraz de Sousa