A Árvore Má

Abraham Lincoln

 

Logo depois de formado em Direito – contou o historiador William Chase -, Lincoln foi convidado a defender um réu de homicídio, que matara a tiros de revólver um ladrão que tentara arrombar a porta de sua casa.

 

O autor do crime era um homem pacato, honesto, religioso e exemplar chefe de família. Conhecendo-o, Lincoln aceitou o encargo de defender o sitiante trabalhador. O réu explicou ao seu advogado que o ladrão portava em uma das mãos um revólver e um afiadíssimo punhal em outra, e que, se conseguisse entrar em seu lar, haveria cenas dantescas e sanguinolentas, pois todos os seus familiares estavam dormindo.

 

Cinco testemunhas depuseram a favor do acusado, mas três outras afirmaram que, como o ladrão não conseguira abrir a porta, não se justificava o homicídio e deixavam claro que haviam sido industriadas pelos familiares da vítima. No dia do julgamento, procedeu-se à colheita de todos os depoimentos.

 

Abraham Lincoln houvera escrito que o homicídio ocorrera às 23h30, mas as testemunhas favoráveis à vítima disseram que o evento ocorrera às 22h30, ocasião em que ouviram os tiros e presenciaram o delito.

 

O escrivão que a tudo anotava, percebendo que havia uma hora de diferença, tentou falar algo, mas Lincoln, interferindo, disse-lhe:

 

“O senhor, como bom funcionário que é, naturalmente com bons ouvidos, deverá apenas escrever o que estão dizendo as testemunhas”.

 

O escrivão da Corte respondeu:

 

“Queira desculpar-me, Dr. Lincoln.”

 

Dada a palavra ao defensor, assim disse Abraham Lincoln, que portava uma Bíblia nas mãos:

 

“Ilustres senhores presidente e demais membros desta Egrégia Corte dos Estados Unidos da América do Norte.

 

Antes de falar como defensor de uma causa justa, branca e pura, como os cabelos de minha mãe que está no céu, peço-vos a devida venia, por ser um homem profundamente religioso, para ler dois capítulos do Livro Sagrado, que trago às mãos: “Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus”.”

 

Manuseando rapidamente o Evangelho, tornou a ler: “Toda a árvore que não produzir bons frutos, seja cortada e jogada ao fogo”.

 

Colocou a Bíblia sobre a cadeira, olhou para todos os jurados e disse: “Pois bem, senhor presidente e demais membros desta Egrégia Corte.

 

Se o meu cliente aqui sentado é também um bem-aventurado e limpo de coração, porque é homem honrado, exemplar chefe de família, bom pai, bom filho e bom esposo, e que “ganha o pão de cada dia com o suor do seu rosto”, pressentindo que uma árvore má, que pendia às portas de sua casa, cujos galhos, que eram as armas transformadas num revólver e num punhal, como uma verdadeira tempestade, arrancando-lhe as portas do seu lar sagrado, sem dúvida alguma iria deixá-lo manchado de sangue, visto que, se estivesse ele dormindo, assim como todos os seus familiares e vizinhos, as cinco testemunhas verdadeiras, e que viram pessoalmente o ocorrido, marcando em suas mentes a hora certa – 23h30 – e não as mentirosas – que são apenas três – compradas ao peso de dinheiro pelos parentes da árvore má, cujos frutos seriam o arrombamento e o roubo, bem como a mais triste das tragédias de vidas puras, e que, certamente, iria cobrir a casa de meu cliente com o manto negro de desgraça, como várias mortes de inocentes, felizmente, fora ela cortada e jogada ao fogo.

 

Como podeis ver, o meu cliente nada mais realizou, a bem da verdade, que a troca de seis árvores frutíferas, representadas pela esposa dele e os seus cinco filhos, por uma árvore má, carregada de veneno em seus galhos e que se apresentara às portas de um lar sagrado, como um terrível furacão, como aquele que sepultou as cidades de Pompéia e Herculano, onde campeavam o roubo, o vício, as ofensas à honra e à dignidade alheias.

 

Assim, por estes motivos expostos, deixarei a cargo dos ilustres membros da Corte, se desejam condenar ou absolver o meu cliente, comprovadamente, um nobre de caráter e inocente.”

 

Terminado o discurso, uma calorosa salva de palmas se ouviu na Corte e pessoas gritavam: “É inocente! É inocente!” Os 19 membros da Corte se retiraram, permanecendo na sala secreta por oito minutos, e voltaram com o veredicto: “Absolvido”.

 

As três testemunhas falsas aproximaram-se do advogado de defesa, dizendo-lhe: “Dr. Lincoln, como Jesus perdoara a todos que o crucificaram, queira também nos dar o seu perdão.”

 

Lincoln respondeu: “Como disse São Francisco de Assis, é perdoando que seremos perdoados. Os senhores estão perdoados.”

 

 

Fonte: Grandes Advogados, Grandes Julgamentos – Pedro Paulo Filho – Depto. Editorial OAB-SP

 

 

Publicado por aldoadv

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