Collor – O Crime e a Prova

Collor

DALMO DE ABREU DALLARI
O julgamento do ex-presidente Fernando Collor por comportamento criminoso já é, por si mesmo, um fato de importância histórica, mas acarretará, inevitavelmente, o julgamento do próprio STF, como órgão capaz ou não de chegar a uma decisão bem-fundamentada e convincente num caso com enormes implicações éticas, jurídicas e políticas.
Para a opinião pública, que não se fundamenta em critérios técnicos e formais, três pontos são duvidosos. Em primeiro lugar, por que julgar de novo Fernando Collor – absolvido por cinco votos a três, se ele já foi condenado e punido? A segunda dúvida é se existe mesmo a necessidade de que ele tenha praticado algum “ato de ofício” em favor de quem lhe deu um presente, para que se caracterize o crime de corrupção. Por último, depois de tantas informações minuciosas amplamente divulgadas pela imprensa, tornando evidente o comportamento criminoso do ex-presidente, como se justifica que se fale em “falta de provas” de qualquer crime?
Quanto ao primeiro ponto, é preciso ter em conta que um presidente ou qualquer outro servidor pode ter comportamento inconveniente, incompatível com as responsabilidades de seu cargo, sem, no entanto, estar praticando um crime. No caso de Fernando Collor, já foi reconhecido que seu comportamento era incompatível com a dignidade e a responsabilidade da Presidência da República, e por isso ele perdeu o cargo. Mas, a par disso, ele praticou atos que também são previstos como crime, e isso é que foi objeto do segundo julgamento, mesmo com sua absolvição no STF. E Collor não tem direito à revisão do processo anterior nem a nenhuma redução de pena ou compensação.
Quanto à configuração do crime de corrupção passiva, a alegação de que se exige que o réu tenha praticado um ato de ofício favorecendo o corruptor não tem nenhum fundamento. Na realidade, o art. 317 do CP, que define o crime de corrupção passiva, não contém essa exigência, bastando que o servidor receba, direta ou indiretamente, vantagem indevida. Esse artigo contém dois parágrafos prevendo hipóteses de agravamento da pena, ambas aplicáveis a diferentes situações em que o servidor pratica, retarda ou deixa de praticar atos de ofício. Basta lembrar a hipótese, muito comum, de um fiscal de obras que aceita propina para “não ver” uma construção irregular. Nesse caso, o servidor não pratica nenhum ato de ofício e, no entanto, a corrupção está configurada.
Por último, o argumento da falta de provas é gritantemente contrário à realidade dos fatos. O Procurador-Geral da República levou para os autos elementos mais do que suficientes para a comprovação. Assim, por exemplo, existe prova de que Fernando Collor recebeu, em sua conta bancária, depósitos feitos por “fantasmas”, além de outras vantagens, como a reforma da Casa da Dinda, um automóvel Fiat, coisas que, como é mais do que óbvio, não lhe teriam sido dadas se ele não fosse o presidente da República. Aliás, o CPP diz que o juiz “formará sua convicção pela livre apreciação da prova”, não estando adstrito a rígidos critérios formais. No caso de Collor, sobram indícios de comportamento criminoso, o que já seria suficiente para a condenação.
Ao leigo pode parecer difícil entender como, apesar disso tudo, o Ministro Relator, ILMAR GALVÃO, concluiu pela absolvição de Collor por falta de provas. Pode ser que o ilustre Ministro não tenha atentado para os pontos aqui ressaltados, mas quem tem experiência em processos judiciais atentou para o fato de que o Ministro já tinha redigido o seu voto absolutório, com mais de 200 páginas, antes mesmo que o STF decidisse que provas seriam apreciadas no julgamento. O juiz é um ser humano, sujeito aos equívocos, às fraquezas e às paixões que podem afetar qualquer pessoa, mas, a par disso, tem também seu modo particular de avaliar os fatos, bem como o direito de formar livremente sua convicção. Embora decepcionante para o povo o resultado final do julgamento, é preciso respeitá-lo, por ser a decisão da mais alta Corte do País, no desempenho de uma função constitucional. O que, entretanto, não fará de Collor um homem honesto.

OBS: Matéria pública pelo Autor na IOB, na época dos fatos !

Publicado por aldoadv

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